terça-feira, 20 de março de 2012

Outra vez

Outra vez, meus dois lados
Meus dois lados
Nos pomares a comer
Calma e conscientemente a primavera
Que se entrevem por entre as poeiras geladas do inverno
Inverno meu, inverno nosso, inverno também dos céus


A despontar sóis azuis claros, a perturbar os mares
Que por anos sonharam sem nunca acordar com os humores
Dos deuses irados
Meu lugar, nunca, jamais será onde estou
Mas sim um outro lugar
Não criado de chão e paredes de concreto
Sem prédios, sem semáforos e sem relógios
Sem guardas, sem esparadrapos
Somente eu e o raio que me atravessa
E me dá o coração da chuva, que ainda não é verão


Pobres coitados roendo o pouco de felicidade
Que os outros dão, por que resta dó
E é escassa a compaixão
Resta a dó e falta sermos como irmãos
A plantar nas teias de um sonho compartilhado
A semente do trabalho para tornar concreto
O que ainda é fruto de sonho e ilusão


Pobres coitados construindo um mundo
Onde ricos cheios de trejeitos se deitarão
E acharão estar mal acabado
Pobres coitados comendo só o pão com a chuva
Pra não morrer no desgosto desiludido de suas mãos
Eu que também sou coitado, não peço nada em vão
Peço muito, pois muito falta ao mundo
Que acorda todos os dias porque precisa viver
E que lhe é negado se não pagar
Eu também sou coitado
E me lembro com vergonha das chibatadas dos escravos
Que nunca se levantaram na voz ou nas mãos
Fugiram, guerrearam pra não morrer 
Pelas obras dos outros coitados
Que acham que a vida se baseia em dominar a servidão


Os outros coitados que são miseráveis e que também sofrerão
Os outros coitados
Que morrem na solidão de seus próprios corações abandonados
Que eles deixaram pra fazer oblações ao dinheiro
Que vem fácil
Que sobra por entre os olhos
Mas ainda falta na ambição


Os outros coitados
Que como todos vivem
E do resto, todos saberão


WallMushu

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