quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Dois passos

Você comeu as minhas palavras olhando para o chão
Sorriu, com a interrogação de um asfalto
Do nosso lado as risadas abafavam os postes
E a criança que não sabia se era ou não um assalto

Eu vou pintar quadros com pequenos retalhos
Eu vou contar uma história com relatos colados
Eu vou esperar que me tragam jornais recortados
Eu vou ficar até ver os portões escancarados
Para me ver diante dos cedros albinos todos enfeitados
Vendo meu corpo e tantos outros ali deitados

Durou pouco, podia ter durado mais
Nem mesmo saiu a lua pra nos dar a luz
Aquele moço insistiu para nos demorarmos
Naquela noite como num cais

Eu vou rabiscar com meus lápis não apontados
Eu vou olhar na data os dias corridos
Os sábados e domingos sem feriados
Para sorrir nos festivais anuais
Quem sabe eu mude meu rosto de papel molhado
Pela fotografia dos outros carnavais

Foram tantas conversas que nem lembro mais
Qual foi o assunto inicial
Tentamos não falar nada de religião
Nem comemos nada antes do prato principal

Eu olhei com perspicácia os olhares trocados
E tive paciência nas conversas baixas
Tentei ser cordial com as outras mesas
Onde os ânimos estavam exaltados
Joguei algumas palavras com cortiças secas
No asfalto de óleos e bálsamos

Ventou pouco como para os vampiros
Que do alto dos postes nos espreitavam
Alardeei com a sabedoria salomônica
Meu levantar no mesmo horário

Chegamos as ruas de horário deserto
Eu compreendi os silêncios a esmo
Enquanto pagávamos o tempo de agora
Tentando nos recuperar
Terminamos a noite como juízes da alforria
Terminamos a noite livres deste lugar

Eu cheguei em casa estático
Alegre, parado, sem pensar
Apenas deixei o momento ser o que precisava
Logo irei me deitar

Cruzarei meus braços dentro do ritual
E me entregarei aos séculos passados
Através do descanso do corpo mortal
Enfim me darei por vencido
Entretanto da minha morte e do meu final
Eu surgirei renascido

Das cinzas do meu tempo de ontem
Farei meu amanhã de novo sol
Além do que foi e do que pensaram
Farei uma recriação do despertar
E novamente o ser vivido desde o início
Dará sua palavra mineral

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